23/11/2010

entrevista com Tiago Judas por Marcio Harum

 





















Marcio Harum: A que você credita o surgimento da figura do ‘monstro´no seu trabalho?

Tiago Judas: O Monstro é só um dos três pontos dos quais preciso para construir um Triângulo; os outros dois são o Robô e a Estrela.
O Monstro é contraponto ao Robô, e vice-versa; a Estrela vem para unir, formando, assim, uma única forma, o Triângulo.
O mais importante é o Triângulo que surge como uma solução para minha busca.
Em uma das minhas HQs, OMEDODEEDU, a resposta vem da Linha do Horizonte que só o mar pode proporcionar. Neste caso, a resposta é uma Linha Reta, uma Linha que não divide e ensina que o Céu e o Mar são uma coisa só.
Durante um tempo trabalhei com a ideia do Mar ser o lugar onde todas as histórias vão desembocar, pois só lá podemos realmente nos limpar, nos renovar. Água, Sal e Mistério. Até então não via outra alternativa.
Quando desenhei a H.Q. O Direito de Subir, descobri a Estrela como outra possibilidade para seguir.
No Universo, lugar que não tem teto, chão nem parede, de repente surge brilhando um ponto de referência, um lugar onde mirar, um objetivo.
Entre o observador e a Estrela, uma Linha Reta.
A Estrela é também uma forma geométrica, um pentágono que une os cinco sentidos, os cinco elementos. Venho percebendo a Estrela com uma grande força de união.
Então, temos de um lado o Monstro, o Cérebro Reptiliano, o instinto de sobrevivência e, do outro, o Robô, o Cérebro Intelectual que se expressa através de pensamentos, tudo para gerar um conflito.
Mas a Estrela vem transformar dualidade em unidade. O Triângulo é uma seta que indica o que está no Alto. Cérebro e Coração trabalhando juntos nos dá o Direito de Subir.
Pai, filho e Espírito Santo. Uma única Luz.
A guerra entre o Monstro e o Robô é óbvia no nosso dia-a-dia e comum tanto dentro da gente quanto nos filmes de ficção científica. Na HQ O Mistério Líquido e a Fatalidade Sólida, essa batalha não acontece, pois cada um encontra o seu Lugar.
Penso em todas as Linhas do Horizonte do mundo juntas, como uma única reta contínua, formando uma enorme base para um gigantesco Triângulo Equilátero.
Mesmo nos lugares infestados de prédios, que consomem qualquer possibilidade de se avistar um horizonte. Ainda temos na nossa memória um lindo Horizonte Azul para somar à base desse Triângulo. Para isso existe o equilíbrio entre o Céu e Mar, Monstro e Robô, Coração e Mente, Alma e Corpo...

MH: Comente sobre as suas experimentações com as trilhas de histórias em quadrinhos.

TJ: As histórias são muito vivas na minha cabeça, elas se espalham e ocupam o meu almoço, a televisão, a minha hora de passear no parque... Gosto de vê-la respondendo perguntas, fazendo-me perguntas, transformando-me em Astronauta enquanto estou no metrô.
A História, depois de desenhada, continua viva, continua contando outras histórias das quais eu nem me dei conta enquanto escrevia. Então, ver uma música soando das sequências desenhadas, ver desenho gerando som, é continuar vasculhando esse universo.
Participei, até agora, de todas as trilhas que compus para as minhas HQs. Eu não sei tocar nenhum instrumento musical, mas trabalhei com ótimos músicos de cabeça aberta para o diálogo. O prazer é inenarrável. Vamos lendo a história juntos, compartilhando as sensações que ela nos trás, e um olhar do personagem, o contraste de claro e escuro são motes para os sons; eles se transformam em um som eletrônico de um teclado velho e empoeirado ou em um estardalhaço com pratos de uma bateria. Já usamos violoncelo, voz e até copo de água com canudo para fazer som de bolhas.
O som encarna na história. Ele funciona como a alma no nosso corpo. Dá toda uma personalidade para a narrativa, renovando, assim, meu trabalho. Transformando algo solitário de desenhista sentado na prancheta em uma apresentação com banda no palco.

MH: Que lugar a banda ZOX teve na sua produção artística ainda como estudante de artes?

TJ: Nessa época eu estava encantado com uma fita cassete que descobri com um Ufólogo amigo meu. Nela tinha gravada a mensagem do Comandante Ashtar Sheram. Essa mensagem foi captada acidentalmente por um rapaz que estava gravando a música Stairway to Heaven que tocava na rádio, quando, de repente, a fita acelerou e rodou até o final (CLÁK! )...
Quando ele voltou a fita e escutou a gravação, estava lá a mensagem do Comandante Ashtar!
- Saudações habitantes do Planeta Shan ( a terra )
Eu passei a escutar exaustivamente essa fita e reunia amigos para escutar em casa. Passamos a desenvolver muitas coisas juntos partindo desses encontros.
Um dia, desenhando na mesma mesa com meu amigo, o Fellipe Gonzalez, cada um desenvolvendo uma HQ, perguntei para ele, Você sabe qual é o barulho que faz quando passamos de uma dimensão para outra? Ele me respondeu prontamente como se fosse óbvio “ZOX!”. Desenhei essa onomatopéia na minha história, que virou nome de todas as experimentações que fizemos na época. A banda ZOX foi uma delas.
Costumávamos fazer coreografias de “danças ZOX” para apresentar de surpresa nos corredores dos supermercados, desenvolvíamos “roupas ZOX” especiais para “apresentações ZOX”, fazíamos “cartazes ZOX” para colar sobre os outdoors nas ruas.
Também nos reuníamos para estudar astrologia, Nostradamus, Drummond e para colocar sabão em pó com água no chão de azulejo e ficar escorregando...
Nesse período, também fizemos muitos vídeos, um deles é justamente o Documentário ZOX – 1999, onde o “Tratado ZOX” é apresentado por um narrador, enquanto imagens de todos esses momentos vão ilustrando as ideias do texto.
Os shows da “banda ZOX” eram o lugar onde tudo isso culminava; para mim o mais legal era escrever as letras das canções. Eram poemas bem plásticos, inicialmente inspirados na poesia concreta e na poesia de Lewis Carrol. Escrevíamos sempre em grupo.
A música era feita instintivamente, ninguém era muito músico. A gente ia apertando as cordas até chegar ao som que queríamos. Era quase uma escultura com baixo, guitarra e bateria.
Teve um dos componentes, o Sérgio Bonilha, que tocava um CD player; ele ficava com alguns CDs e ia disparando trechos durante a música, como um sampler bem tosco e acidental.
Outra coisa boa de ter banda era inventar ações para o show, uma vez tocamos com óculos, que eram, na verdade, uns recipientes plásticos que prendíamos na cara com elástico; enchíamos de água e colocávamos um peixinho dourado dentro de cada máscara. Ficávamos tocando com um peixinho nadando bem na frente dos nossos olhos. Para abrir esse show escolhemos um trecho da famosa música cantada pelo Fagner, Borbulhas de Amor, que é versão de uma letra de Juan Luiz Guerra feita pelo Ferreira Gullar.
A banda foi meu grupo de estudo na época, mas não tínhamos orientação, trabalhávamos totalmente por impulso; teve momentos em que as coisas ficavam bem confusas. Muitos componentes desistiram, perdiam-se, sumiam.
Teve quem viu até fantasmas no meio de nós enquanto ensaiávamos.
Hoje eu posso dizer que a banda serviu para eu trabalhar com meu instinto, conhecer o meu Monstro, mas faltou o Robô e a Estrela, principalmente a Estrela. No meio do processo esquecemos a nossa origem, o Ashtar, comandante da Frota Estelar.
Na época passei a usar botas feitas de chumbo e quase fui engolido pelo chão.

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